quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O susto e o medo do sobrinho do cangaceiro Jararaca

As quebradas do sertão
Têm muita coisa guardada
Muita história engraçada
Do tempo de Lampião
Tem até gente assustada
Com as coisas reveladas
Mesmo longe do grotão.

Pois aqui nesse alpendre
Onde a coroa de frade
É um enfeite da saudade
Que só quem viveu entende
Noventa anos de idade
É o crédito da verdade
E não há quem lhe contende.

No tempo de Lampião
Ela inda era um menino
Mas assistiu ao destino
Prá grande má criação
Seu tio num desatino
Apanhou de cagar fino
E se mandou sem perdão.

Muito tempo se passou
Ninguém nem mais se lembrava
Mas nosso amigo escutava
Uma história de horror
O cangaço atacava
E muita gente matava
Em todo interior.

Sebastião, nosso amigo,
Ouvia tudo atento,
A pé ou no seu jumento
Ao relento ou no abrigo
Pois lá no seu firmamento
Os dias eram sangrentos
Pode crer no que eu digo.

Depois de anos seguidos
Seu tio não deu notícia
Tião não tinha malícia
Sobre os rapazes sumidos
Não havia nem polícia
Parecia fictícia
Saga do filho perdido.

Rodrigues todos chamavam
O jovem que foi embora
Todos sabiam agora
Como a coisa se passara
Sua mãe, bela senhora,
Com um grande par de esporas
Na caatinga desfilava.

Vez por outra se lembravam
Daquele menino forte
Que enfrentava até a morte
E a ninguém se dobrava
Não praticava esporte
Mas conhecia seu norte
E dele não arredava.

Um dia quis ser infante
Mas não era seu destino
Pois viu Antônio Silvino
Naquele quente quadrante
Não era um cabra fino
Mas sempre teve domínio
Acertava alvo distante.

Destemido feito aço,
Saiu então pela vida
E sua maior guarida
Findou sendo o cangaço
Lampião veio em seguida
E uma história dolorida
Findou sendo o seu espaço
Nas andanças que andou
Usava bem seu punhal
Protegia seu bornal
Nunca ninguém lhe tocou
Xaxava e comia sal
Não queria fazer mal
Mas disso não escapou.

Fez tudo que o bando quis
Tinha amigo e inimigo
Uns matava pelo umbigo
Ou sangrava no nariz
Tudo isso que eu digo
É apenas o que ligo
Sebastião quem me diz.

Nunca precisou de dó
Durante a sua vida
Que findou sendo perdida
Quando foi a Mossoró
Na cidade destemida
Ficou cheio de ferida
Sua sorte foi cotó.

Pois Rodrigues que eu falo
Quando entrou para o bando
Já chegava se chamando
Com um nome que é talo
Um forte cabra lutando
Tinha até certo comando
Para outros respeitá-lo.

Conhecido pela faca
Fez fama pelas estradas
Tinha gente apavorada
Se abriam a matraca
Pois aquele camarada
Que viveu tanta jornada
Era o cabra Jararaca.

Mas aquele cangaceiro
Que saiu lá do sertão
Era o tio de Tião
Lutava até por dinheiro
Protegia seu gibão
Sem qualquer contemplação
Passava até atoleiro.

Tião disse pros seus netos
Sobre aquele seu parente
Como era algo diferente
Muitos ficaram discretos
Mas às vezes sua gente
Até fica bem contente
Falam dele com afeto.

Um dos netos, certo dia,
Numa aula de história
Sentiu uma certa glória
Quando o professor dizia
Que era uma forte memória
Não uma simples escória
Nem tudo que se dizia.

Falava sobre pataca
Essas coisas que eu rimo
E prá saber se Severino
Conhecia Jararaca
Num gesto de certo mimo
Ele disse “é meu primo”
E os colegas riram paca.

Mas o rapaz ficou sério
Todo mundo lhe olhando
E ele foi confirmando
Com certo ar de mistério
O professor foi falando
E os dados confirmando
Fazendo seu magistério.

Ao ver que era verdade
Os rostos foram mudando
E mais foram perguntando
Quanta curiosidade!
O jovem segue explicando
Muitas dúvidas tirando
Com toda simplicidade.

Depois daquele momento
Levaram na esportiva
Era uma turma viva
Queria ficar por dentro
Tinham sempre uma assertiva
E depois tudo deriva
Da força do pensamento.

Quando aparecia alguém
Que o jovem não conhecia
Alguém logo então dizia
Sem fazer qualquer desdém
O parentesco que havia
Era tudo uma alegria
Não escapava ninguém.

Sobrinho de Jararaca,
Era mesmo que dizer
Que ninguém pode mexer
Pois era o homem da faca
Faca prá se defender,
Prá matar e não morrer
E até prá partir jaca.

Mas Severino é tranqüilo
Acham um belo rapaz
Dizem até que é de paz
E tem o melhor estilo
O tempo não vai prá traz
Cangaço não volta mais
E ninguém quer mais segui-lo.

Termino essa narração
Não estou arrependido
Sinto meu dever cumprido
Essa é minha opinião
Espero ter atendido
A um antigo pedido
Do povo dessa Nação.

Autor: Walter Medeiros (Natal/RN) - walterm.nat@terra.com.br

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

SERTÃO POBRE/SERTÃO RICO!

Pobre sertão seco e maltratado
De um povo triste e desesperançado,
Que tantos prometem e ninguém faz nada
E a morte de crianças que costuma ser mostrada!

Rico é o sertão que queremos ter,
Exportando talentos com muito prazer,
Gente que vive na exclusão...
Mas que não trás a raiva em seu coração!

Inóspito sertão sem alegria,
Que vive sofrendo a agonia,
Mostra a sua tolerância e fraqueza,
Mas manifeste sua virtual realeza!

Paraíso de sertão que queremos ver,
É o que tem escondido e não nos deixam saber
Suas fontes de águas no subsolo guardadas
Que não querem que sejam mostradas!

Abram a voz queridos sertanejos,
Cantem cordéis ilustres brasileiros,
Pois os seus cantos serão ouvidos
E seus pedidos atendidos!

Grite meu povo nordestino,
Pois é assim que mudarão o destino;
É com fé e muita bravura,
Que encontrarão a felicidade futura!


Autor: Paulo Márcio Bernardo da Silva

Para saber mais...

A literatura de cordel é assim chamada pela forma como são vendidos os folhetos, dependurados em barbantes (cordão), nas feiras, mercados, praças e bancas de jornal, principalmente das cidades do interior e nos subúrbios das grandes cidades. Essa denominação foi dada pelos intelectuais e é como aparece em alguns dicionários. O povo se refere à literatura de cordel apenas como folheto.

A tradição dessas publicações populares, geralmente em versos, vem da Europa. No século XVIII, já era comum entre os portugueses a expressão literatura de cego, por causa da lei promulgada por Dom João V, em 1789, permitindo à Irmandade dos Homens Cegos de Lisboa negociar com esse tipo de publicação.

Esse tipo de literatura não existe apenas no Brasil, mas, também, na Sicilia (Itália), na Espanha, no México e em Portugal. Na Espanha é chamada de pliego de cordel e pliegos sueltos (folhas soltas). Em todos esses locais há literatura popular em versos.

Segundo Luiz da Câmara cascudo, no livro Vaqueiros e cantadores (Porto Alegre: Globo, 1939. p.16) os folhetos foram introduzidos no Brasil pelo cantador Silvino Pirauá de Lima e depois pela dupla Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista. No início da publicação da literatura de cordel no País, muitos autores de folhetos eram também cantadores, que improvisavam versos, viajando pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do sertão. Com a criação de imprensas particulares em casas e barracas de poetas, mudou o sistema de divulgação. O autor do folheto podia ficar num mesmo lugar a maior parte do tempo, porque suas obras eram vendidas por folheteiros ou revendedores empregados por ele.

O poeta popular é o representante do povo, o repórter dos acontecimentos da vida no Nordeste do Brasil. Não há limite na escolha dos temas para a criação de um folheto. Pode narrar os feitos de Lampião, as "prezepadas" de heróis como João Grilo ou Cancão de Fogo, uma história de amor, acontecimentos importantes de interesse público.

Segundo Ariano Suassuna, um estudioso do assunto, a literatura popular em versos do Nordeste brasileiro pode ser classificada nos seguintes ciclos: o heróico, o maravilhoso, o religioso ou moral, o satírico e o histórico.

Atualmente, a literatura de cordel não tem um bom mercado no Brasil, como acontecia na década de 50, quando foram impressos e vendidos dois milhões de folhetos sobre a morte de Getúlio Vargas, num total de 60 títulos.

Hoje, os folhetos podem ser encontrados em alguns mercados públicos, como o Mercado de São José, no Recife, em feiras, como a de Caruaru, e em sebos (venda de livros usados). Há uma coleção de folhetos de cordel disponível para consulta, no acervo da Biblioteca Central Blanche Knopf e no Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco.

Autor desconhecido - texto extraído do site www.fundaj.gov.br - Fundação Joaquim Nabuco